A vida tem sido muito dura comigo desde muito nova. Isso não quer dizer que minha vida foi triste, apenas intensa!
Nasci no dia 03 de março de 1979 em Santo André - SP, recebi o nome de Gilmara, até hoje desconheço o significado do meu nome, minha tia escolheu sem motivo aparente.
Quando tinha apenas 2 anos e 6 meses, tive meu primeiro problema grave de saúde. Quase não lembro dessa fase, mas me recordo bem do frio, sentia muito frio, depois de muito tempo, minha mãe me explicou que eu dei entrada no hospital com desidratação, e foram aparecendo novos problemas durante a internação, os médicos não podiam me medicar para a febre passar porque a medicação fazia mal para os outros problemas, por isso me envolviam em um lençol encharcado de álcool para baixar minha febre. Acredito que por isso o frio me marcou tanto.
Como por um milagre, tive alta seis dias depois de dar entrada no hospital, digo isso porque hoje a família me conta que ninguém acreditava na minha recuperação, nem mesmo os médicos…
Tive uma infância tranquila, brincava com minha irmã, minhas primas e primos, fui uma criança de vida simples, pacata e feliz.
Na fase escolar, quando as matérias começaram a ficar mais complexas, percebi que tinha muita dificuldade para aprender, levantava a mão sempre que a professora perguntava se alguém tinha alguma dúvida, e depois de um tempo acabou virando motivo de piada para as outras crianças, com isso, acredito que para me proteger, deixei de levantar a mão e fiquei insegura para falar quando eu estava com dúvidas… e só, muito mais tarde, já na vida adulta, soube que essa minha dificuldade era causada pela dislexia.
Aos 12 anos, já no início da adolescência, mais uma vez fui levada às pressas para o hospital, mais uma vez, fiquei hospitalizada por desidratação, sentia também fortes dores abdominais, dores que só aumentavam com o passar dos dias, e sem nenhum diagnóstico conclusivo, até que depois de vários dias internada, um médico que não havia me visitado antes, (já que a especialidade era a obstetrícia) foi me ver e ao primeiro toque em meu abdômen deu ordens para que preparassem o centro cirúrgico o mais rápido possível… minha apêndice havia rompido a vários dias causando uma infecção generalizada em meu abdômen, e assim foi realizada minha primeira cirurgia, sem tempo nem de pedir a autorização aos meus pais, pois minha vida estava em risco a vários dias.
Aos 14, precisei fazer uma nova cirurgia, essa mais simples e sem grandes riscos, havia encontrado um cisto em meu corpo, um cisto em um lugar que eu nunca antes havia escutado alguém falar: no ânus!! Sem dor, sem grandes preocupações, apenas o local que não ajudava em nada. E essa é a razão pela qual hoje faço a “piada” de que já tive intervenções em meu corpo “de cabo a rabo”!
Aos 15 anos conheci o Alessandro e começamos a namorar, aos 16 anos, ele então com 21 anos, ficamos noivos, e aos 17 anos nos casamos. Após seis meses de casados, eu engravidei da minha primeira filha, Amanda, hoje eu me vejo naquela época como uma criança esperando outra. Amanda era a “boneca” que sempre havia sonhado, desde muito cedo.
Com toda a inexperiência e as dificuldades, acredito que fizemos um bom trabalho.
Quando a Amanda estava com pouco mais de 2 anos de idade, sofri um aborto espontâneo, na época aquilo me abalou bastante, foi uma gravidez inesperada, mas depois que soube que esperava mais um bebê, passei a amá-lo no mesmo instante…
Um ano depois, em uma noite fria com uma forte garoa, enquanto guardava meu carro na garagem, fui abordada por um homem, que apontou uma arma em minha cabeça, deu ordens para eu passar para o banco do carona e tomou a direção do meu carro. Eu estava sozinha, e esse era o início de uma das noites mais longas da minha vida. Sofri ameaças, violências físicas e emocionais… Fiquei revoltada com o mundo, com Deus! E só perguntava: porque? Porque? Queria uma resposta para eu passar por essa situação, que para mim, foi a mais dolorosa. A resposta só veio 20 anos depois, quando entendi que a pergunta não deveria ser porque, e sim para que? Hoje posso falar desse episódio sem dores e sem revolta!
Depois de pouco mais de dois anos, já em 2003, engravidei novamente, sentíamos como se nossa alegria estivesse completa, a Fernanda chegou no dia 03 de outubro e quando ela completou apenas 6 meses de idade, fui pega de surpresa novamente com uma gravidez não planejada… no primeiro momento a minha reação foi de desespero, já o Alessandro não se conteve de tanta alegria. E no início de 2005 nascia o Arthur, nosso caçula. Dessa vez preferi garantir que não seria pega de surpresa novamente e decidimos que era hora de eu fazer uma laqueadura, já eram 3 filhos e três cesarianas.
Foi um período agitado mas de muita alegria apesar das dificuldades do dia a dia. Meus pais moravam em Minas, e todas as férias de julho e de dezembro, meus filhos ficavam com eles, nos outros períodos do ano, sempre que precisava, podia contar com minha sogra, que sempre foi como uma segunda mãe para mim.
No dia 21 de agosto de 2008 saindo do trabalho, decidi passar no hospital, sentia um leve formigamento na parte esquerda do meu corpo, era muito sutil, mas já estava a três dias com esse sintoma e quando eu estava relaxada me incomodava muito. Estava certa que era estresse. Eu não tinha completado nem 30 anos, já tinha meus três filhos 11, 4 e 3 anos, trabalhava em nossa empresa, era uma rotina intensa, o Alessandro viajava muito a trabalho, e eu ficava encarregada de levar as crianças para a escola, depois trabalhar, pegar as crianças na volta para casa…. Naquele dia o Alê não estava viajando eu disse que atrasaria e pedi para que buscasse nossos filhos na escola. Não tinha ideia do que estava por vir… o médico solicitou uma TC e com as imagens em mãos, disse que eu iria precisar ficar em observação até o dia seguinte. No dia seguinte logo pela manhã faria uma ressonância magnética e seria avaliada pelo neurologista. Passei aquela noite na UTI, chorei a noite toda, tinha muito medo de morrer, só pensava em meus filhos e que queria vê-los crescer e me dar netos…
Na manhã seguinte, depois de avaliar minha ressonância o neuro foi me fazer uma visita e passar o diagnóstico, eles haviam encontrado em meu cérebro um tumor, e precisava ser removido… quando recebi a notícia, ao contrário do que todos esperavam, fiquei calma. O médico agendou a craniotomia para o dia 26 de agosto, a família por diversas vezes sugeriu que eu procurasse outro médico, uma segunda opinião… eu não quiz!
Acho que a experiência com a apendicite nessa hora foi útil. Tive um diagnóstico rápido, ao contrário da primeira cirurgia, porque eu ia perder tempo buscando outras opiniões se no final a cirurgia era uma certeza devido ao tamanho do tumor.
No dia 26 de agosto, aniversário da minha mãe, ainda de madrugada dei entrada no centro cirúrgico, eu estava firme, não tinha certeza se sairia com vida dali, mas tinha fé que isso aconteceria.
Algum tempo depois, não sei precisamente quanto tempo, acordei…minhas mãos estavam amarradas, consegui chamar a atenção da enfermeira que me tranquilizou, eu estava entubada, ela fez o procedimento necessário, lembro de passar a mão em meu rosto assim que ela soltou meus braços, eu estava feliz, pedi um espelho e não me reconheci na imagem que ele refletia, mas eu estava tão feliz e grata por mais uma chance de acompanhar o desenvolvimento dos meus filhos… que nem me importei com a imagem chocante que tinha acabado de ver.
Recebi minha alta hospitalar 9 dias depois da minha internação. O médico foi muito cuidadoso na hora da cirurgia, raspou minha cabeça apenas no local que seria realizado o procedimento. Voltei para casa, para minha família, porém minhas dores de cabeça eram tão intensas que minha mãe juntamente com o Alessandro acharam melhor que meus caçulas ficassem em Minas com meus pais, e assim, por alguns meses, eles vinham me ver apenas uma vez ao mês.
Duas semanas após a alta hospitalar, recebemos o resultado da biópsia, o nome do meu câncer era Oligoastrocitoma grau II, segundo o médico, se eu visitasse 10 médicos, cinco me diriam que ele iria voltar, já outros cinco diriam que se eu fizesse o tratamento de quimioterapia, e radiocirurgia (já que ficaram pequenas células cancerígenas em meu cérebro), as chances de isso acontecer seriam mínimas. Essa notícia, mexeu comigo, me abalou. Achei que aquele pesadelo havia terminado no dia da alta, mas estava enganada.
Depois de uma ação judicial, conseguimos a aprovação do plano de saúde para iniciar os tratamentos. Não lembro exatamente quantas sessões de quimioterapia intravenosa e oral fiz na época, mas a radiocirurgia foram 30 sessões. Em dezembro de 2009 meus cabelos começaram a cair, nesse dia fiquei muito abalada novamente, mas passou rápido. E um certo dia, no momento que me vi sozinha em casa, fui em frente ao espelho, com uma tesoura e uma maquininha de barbeiro, e ali, sem sofrimento, comecei a cortar meus cabelos que restaram, e em seguida passei a máquina na minha cabeça. Aquele momento foi libertador para mim. Quando havia terminado meu irmão chegou em casa e eu pedi que ele desse uma caminhada comigo, queria ver como seria a reação das pessoas apenas para saber o que me esperava. E conforme imaginei, a expressão nos rostos das pessoas não foi as melhores… percebia o sentimento de pena nos olhares, notava que algumas pessoas me apontavam… Mas como disse, já esperava por isso e isso não me abalou… com o passar dos dias, das semanas… isso se tornou algo chato, bastante chato!
Mesmo porque nessa fase eu estava muito bem comigo mesma, e eu estava VIVA! Isso era motivo de alegria e gratidão, não de pena!
Tive uma sobrevida de 13 anos! Até ser surpreendida com a reincidência do câncer, já estávamos em 2021 e morávamos em Orlando desde o início de 2018. Nesse período a Amanda morava na Califórnia, onde conheceu meu genro, Clinsman. Tão logo ela soube o que estava acontecendo comigo, voltou para Orlando e trouxe junto meu genro.
E foi assim, em meio a uma pandemia e longe da família, com as fronteiras todas fechadas, que no primeiro dia de julho, foi realizada minha segunda craniotomia, lembro que tão logo acordei da anestesia, ainda meio grogue, pude ver minha família em volta da minha cama. Lembro até que cantei um funk logo após acordar kkkk, e eu nem gosto de funk!
Mais uma vez, eu estava feliz e agradecida pelo sucesso da cirurgia. Pude ver meus filhos crescerem, mas ainda faltava meu neto(a)! Por conta da situação que o mundo estava enfrentando, ninguém podia ficar me acompanhando no hospital e eu com um inglês tupiniquim sozinha no hospital, tendo que me comunicar com médicos, enfermeiros… nesse idioma bem limitado para mim.
A noite após a cirurgia foi bem intensa, exames, medicações, pessoas me fazendo perguntas, enfim, com um edema cerebral bem grande, eu era constantemente forçada a tentar entender e a falar em inglês, na manhã do dia seguinte, eu não conseguia falar português e meu inglês ninguém entendia!
Acho que criei um dialeto novo!
Novamente precisei da quimioterapia, já a radiocirurgia os médicos não entraram em um consenso e deixaram a decisão para mim. E eu optei por não fazer, já que mais uma vez fui informada que mesmo com todo o tratamento havia chance do câncer voltar. A radiocirurgia é um procedimento bastante agressivo, e meu cérebro já tinha passado por muita coisa, decidi então poupá-lo. Minha recuperação estava indo surpreendentemente bem, fazia terapia ocupacional, fisioterapia e com apenas 40 dias de cirurgia já podia até andar de bicicleta! A parte difícil foram os dias que eu não me sentia bem e precisava de ajuda, já que não tinha a mesma rede de apoio que eu podia contar enquanto estava no Brasil. O Alessandro e meus filhos faziam o melhor, mas aqui nos Estados Unidos, não pode ficar parado, eles precisavam trabalhar.
Em dezembro de 2021, meus pais já estavam aqui me visitando e todos recebemos no mesmo dia o resultado positivo para COVID… dessa vez, toda aquela recuperação “relâmpago” regrediu de forma assustadoramente rápida. Perdi parte da minha coordenação motora, do meu equilíbrio, entre outras coisas… passei por um processo de depressão que parecia não ter fim, não aceitava minha condição de dependente, de precisar de uma bengala ou andador para caminhar, uma cadeira para tomar banho…
Após sessões de terapia e antidepressivos comecei a me sentir melhor; e comecei a pensar sobre o futuro, desde que havia chegado nos Estados Unidos meu hobby passou a ser minha profissão: cozinhar.
Com a falta de coordenação e fraqueza quer eu sentia muita, ja não podia mais trabalhar com cozinha, e comecei a busca por algo que me completasse, que me ajudasse financeiramente e psicologicamente.
Foi então que dei inicio ao projeto de um e-comerce, e assim então nasceu a GB Fashion, o objetivo era trazer acessórios de luxo do Brasil, porém não me sentia completa ainda… e em busca de algo que me preenchesse tive a idéia de dentro desse site criar um projeto, queria estampar roupas com artes visuais, a ideia era receber as artes através de doações de grandes artistas, e o lucro seria 100% revertido para ajudar pessoas e famílias que estão em tratamento oncológico.
Aqui nos Estados Unidos saúde é muito caro, e nem todos conseguem se beneficiar de um plano de saúde, por isso é muito comum ver vaquinhas on-line com objetivo de angariar fundos para essas pessoas.
Comecei a pesquisa por artistas, selecionei alguns que eu havia gostado do trabalho e disparei dezenas de e-mail, todos os dias abria meu e-mail na ansia de ter uma resposta, e nada… até que uns dez dias depois, recebi a resposta do primeiro artista, ele estava doando 5 de suas obras para o projeto! Confesso que chorei esse dia, e a partir dai comecei a me dedicar cada dia mais. Hoje oque deu inicio como um projeto se tornou uma fundação, a ART AND LOVE FOUNDATION!! Estamos apenas no inicio, mas acredito muito no que venho trabalhando, investindo meu tempo e os recursos que havia guardado durante o período que trabalhei.
A vida me ensinou a contar de maneira leve, e as vezes até fazer trocadilhos com as situações que ja havia vivenciado, sempre encontrava algo para deixar a situação engraçada, até mesmo as mais difíceis, foi dai que nasceu meu bordão: TUDO VIRA HISTÓRIA!
Costumo aplicar na minha vida quando enfrento meus problemas, e quando alguém que esta enfrentando algo difícil, tento acalma-lo e digo, um dia isso vira história e você ainda vai conseguir dar risada dessa situação.
Afinal é assim que levo minha vida!
Sou muito grata a Deus, sem a ajuda d'Ele não teria alcançado nem a metade dessa história. Grata a minha familia e amigos por estarem ao meu lado sempre que precisei. E sou grata também por tudo que passei, porque sem todos esses acontecimentos, possivelmente não teria me tornado a mulher que sou hoje! Mulher essa que não se intimida quando surge um problema, apenas algumas crises de ansiedade, mas enfrento todos! Que entendeu que viver e existir tem uma grande diferença, e desde então ela optou por viver, e viver intensamente, dentre tantas outras lições , que se fosse listar todas, provavelmente terminaria como um livro de auto-ajuda!
Mas enfim, o objetivo aqui era só o resumo de uma longa história, com muitas paginas em branco ainda para continuar registrando tudo que esta por vir!
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