Lembro de uma frase que ouvi ainda quando criança: 'Depois da tempestade vem a bonança'.
Pequena que era, nunca havia entendido o real significado de tal frase. Foi só depois que me tornei jovem que percebi que a tal tempestade duraria alguns bons anos em minha vida.
O mês era dezembro, e faltavam apenas 3 dias para a chegada do ano de 1986. A cidade era São Paulo, e eu estava ali, prestes a nascer! Nunca soube muito bem se fui uma gravidez planejada ou desejada, mas desde o meu chegar ao mundo, soube exatamente o que era se sentir amada.
Filha caçula de um casal que vivia uma relação intensa de amor e ciúmes, cresci entendendo que minha família possuía uma base forte!
Posso dizer que minha infância foi bem comum, mas foi com 9-10 anos que tudo mudou.
Era uma tarde cinzenta e chuvosa de terça-feira, nada de muito especial ou diferente estava acontecendo na tão conhecida terra da garoa. Meus pais haviam ido para o interior assinar alguns documentos de trabalho, e eu e meu irmão estávamos ansiosos pelo retorno deles para casa.
E foi no entardecer daquele dia que, pela primeira vez, a vida nos tiraria o chão. A notícia veio sem muita preparação, afinal, qual seria a maneira ideal de comunicar tal tragédia? Ainda hoje, 27 anos depois, me lembro da maneira como a notícia me foi dada: 'Josy, seu pai e sua mãe estavam viajando e sofreram um acidente muito grave.' Antes mesmo que eu conseguisse expressar alguma reação, a frase foi completada: 'e eles morreram.'
Não, eu não tinha ideia do que era aquilo, tampouco do quanto aquele evento seria um divisor de águas em minha vida, e do quanto ele me transformaria em quem eu sou hoje. Aliás, por muito tempo eu cheguei a acreditar que jamais seria capaz de superar tal separação.
A infância comum foi substituída por uma vida repleta de pequenos e grandes traumas. A vivência com pessoas incapazes de entender a dimensão da minha dor foi dura e um tanto cruel.
O crescimento e amadurecimento vieram de maneira rápida, e quando menos percebi, já havia me tornado uma adulta. Com a independência veio a vontade louca de fugir da minha própria história, afinal, tudo ainda fazia-se dolorido demais!
E foi então que eu dei meu tão sonhado grito de alforria. Com 18 anos, resolvi ir embora, na esperança de que o mundo afora me mostraria que tudo aquilo que eu havia vivido valeria a pena.
A Europa foi meu primeiro destino. Ainda sem saber o que eu buscava, passei a viver uma vida cigana e com ela aprender a apreciar os momentos, os lugares, os cheiros e as pessoas que aos poucos passaram a fazer parte da minha jornada.
Algum tempo depois, a responsabilidade falou mais alto e a vida nômade já não fazia tanto sentido. Voltei ao Brasil, me formei como jornalista e passei a viver uma vida pacata. Acho que por vários anos eu acreditei que em algum momento eu conseguiria ser parte de tudo aquilo.
No fundo, eu sempre soube que ser 'normal' não era para mim. Mais uma vez, deixei a vida me levar... e é incrível como ela está sempre disposta a nos surpreender. Em pouco tempo, lá estava eu, em países nada conhecidos, trabalhando a bordo de um navio de cruzeiro. A experiência durou quase 9 meses, e além de ter sido muito desafiadora, foi um tanto quanto inesquecível.
Pela segunda vez, retornei para minha cidade natal e, por fim, me convenci de que ali já não era mais o meu lugar.
A próxima parada seria um lugar nem um pouco desejado, afinal a vida na América nunca havia me chamado a atenção. Nunca fui fã dos Estados Unidos, mas algo dentro de mim gritava por uma vida diferente. A coragem e o desprendimento das coisas já haviam me levado a lugares muito mais distantes, por que não tentar o tal sonho americano?
A ideia era ir para Orlando visitar minha meia-irmã, passar um tempo com minhas sobrinhas e depois decidir o que viria em seguida. Mal sabia eu que o meu destino seria chamar este país de 'minha casa'.
Foi aqui nos Estados Unidos que conheci uma nova versão de mim. Uma versão que viveu intensamente cada fase de uma vida de imigrante. O dia-a-dia de longas horas trabalhadas, a distância da família, dos amigos, a dor da saudade, a falta de uma rede de apoio e a sensação real e absoluta de estar sozinha tornavam, muitas vezes, o sonho americano em um verdadeiro pesadelo!
Com o passar dos anos veio o amadurecimento e, com ele, a tentativa incessante de me tornar alguém que meus pais pudessem sentir orgulho. O tempo passou e sonhos antigos começaram a tomar forma! Pudera! Ao que tudo indicava, o jogo finalmente havia virado, e a vida estava a sorrir pra mim!
Eis que quando a gente acha que sabe todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.
Era dezembro de 2013, véspera de Natal, e os planos para o ano seguinte borbulhavam dentro de mim! E antes mesmo que eles pudessem tomar forma, recebi a segunda notícia mais difícil da minha vida! Foi naquele fim de ano que eu recebi o diagnóstico de um câncer raríssimo! Segundo os médicos, havia apenas 300 casos como o meu no mundo.
Confesso que novamente me vi sem chão, e assim como na primeira vez, resolvi lutar com as armas que a vida havia me dado. Afinal, como diz o ditado americano: 'I didn’t come this far, to only come this far'.
Apesar do medo e das probabilidades de cura serem pequenas, algo dentro de mim me convencia de que aquele seria mais um dos tantos obstáculos que eu havia superado!
Os seis primeiros meses foram de muita pesquisa, visitas a médicos, exames e incertezas. Mas lutar pela vida era algo que eu havia aprendido desde criança, e dessa vez não seria diferente.
O câncer veio, me transformou, e hoje posso dizer que sou uma sobrevivente. Não que ele tenha encerrado meu ciclo de lutas ou desafios, mas sem dúvida ele me fez acreditar que eu posso ir muito mais longe do que eu jamais imaginei que poderia.
Por muito tempo não consegui olhar para toda esta história com olhos de amor. Embora eu nunca tenha feito o papel de vítima, sempre acreditei que minha jornada era apenas mais uma em meio a tantas vidas sofridas que vemos por aí!
Hoje, anos depois, percebo o quanto tive sorte e o quanto fui privilegiada em poder ter passado por tudo isso e estar aqui contando um pouco da minha história. E voltando àquela frase que aprendi na infância, que nunca nos falte a certeza de que depois de toda tempestade, a bonança sempre vem!!!
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